domingo, dezembro 11, 2016

(RE)PENSAR O NATAL

Reconhecida por todos como uma época de paz, amor e boa vontade o natal é um conceito que comporta à partida uma contradição : a sua localização num espaço e num tempo definidos. Porque é uma afirmativa que implica a negativa, é uma definição que destrói, por si só, o conteúdo de paz, amor e boa vontade.
A aceitação passiva deste natal determina o bem e o mal em termos sociais. Funciona como uma espécie de maniqueísmo que estabelece com carácter de permanência que há tempos bons e tempos maus. Que eles existem é um facto. Mas daí a aceitá-los com carácter institucional vai um salto enorme. O salto entre a razão e o absurdo.
Todos os anos a festa se renova numa hipocrisia feérica, numa permissividade de quem passa todo o ano ao lado da vida. A impossibilidade de, no dia a dia, se viver uma vida autêntica e de as pessoas serem iguais a elas próprias, faz com que, no Natal, por extrapolação, se viva a fatualidade de uma vida que não existe.
A caridadezinha mais não é que o reconhecimento implicito de que a vida não foi possível e, por isso, num momento especial, perfeitamente definido no espaço e no tempo, vamos permitir um simulacro de vida. Mais. Vamos estimulá-lo. Mas só neste tempo, porque nos outros...
A guerra é em si mesma um absurdo. Mas se assim é, que chamar à hipocrisia de parar uma guerra na quadra de Natal, oferecer cigarros aos soldados, víveres e medicamentos às populações e, passada uma semana, recomeçar tudo de novo? Por quem e para quem?Será muito lindo fazer belos espectáculos de Natal para os soldados. Mas será que os soldados querem esses espectáculos no intervalo da guerra? Haverá alguém interessado em trocar a vida por uma qualquer fantasia passageira, por muito boa que seja?
A paz entre os homens não pode ser um conceito abstracto ou um intervalo entre duas guerras. Tem de estar ligada à vida como um fluxo contínuo. Não pode ser a paz dos cemitérios, mas sim a vida em paz. Nunca um interregno utópico numa guerra permanente.
Não comer carne durante um ano é infelizmente um sinónimo de Natal. É um espelho de um mundo absurdo que alimenta os seus próprios mitos destruindo-se a si mesmo.
O que aqui se questiona não é o Natal em si mesmo e, muito menos, os conceitos de fraternidade, amor e paz que encerra. O que se contesta é ESTE NATAL, com tudo o que tem de falso, hipocrisia e oportunismo. Não é a fraternidade que se critica, mas sim o oportunismo temporal de que se reveste. Não é o amor que se questiona, mas sim a hipocrisia de ele só ser possível neata altura. Não é a paz que está em causa (falsa paz), mas sim a guerra porque este Natal é filho da guerra.
A questão nãoé o Natal, mas sim ESTE NATAL!
Enquanto a vida fôr um excremento da morte, a Vida não é possível.
Enquanto o Natal não fôr quando se quiser, o Natal não existe!