quinta-feira, novembro 09, 2006

Depressa para Lado Nenhum (3)

Arrastado pelo sempre mais e para as necessidades desnecessárias o homem avançou desmedidamente num processo que deixou de dominar e onde as coisas passaram a valer o que representam e não o que são.
O único objectivo passou a ser o consumo, do que quer que seja, quanto mais supérfluo maior a felicidade!
O consumo é hoje a verdadeira religião, sendo que a dita se transforma aos poucos num acto simbólico, a mais das vezes tão só tradição, desespero ou simples moeda de troca (dás-me o que quero e rezo-te uma oração) em forma de consumo, onde a missa é a refeição principal e as esmolas as refeições avulsas de uma consciência sempre com fome! Enganada a consciência, o importante é esquecer rápido para poder continuar a caminhada! Claro que também há os “gritadores”. Não vão à missa porque os que o fazem são um bando de hipócritas e num mundo tão carenciado rezar não serve de nada. Não dão esmolas porque fazê-lo é alimentar um sistema injusto e errado e o que é necessário é mudar o sistema; utilizam com frequência chavões do tipo “em vez de dar um peixe a um pobre, o importante é ensiná-lo a pescar”, mas no fim não fazem uma coisa nem outra.
Estão errados?
Talvez, mas isso que importa, quando se limitam a copiar os grandes do mundo, os donos de todas as coisas que, a uma escala infinitamente maior fazem exactamente a mesma coisa!
Mas com regras!
Os senhores do mundo começam por reunir-se em cerimónias pomposas e dispendiosas (mesmo que estejam a tratar da fome do mundo!) onde são tomadas as grandes decisões. Muitas vezes o dinheiro gasto nessas reuniões era suficiente para resolver os problemas aí tratados, os quais acabam por não ser resolvidos por falta de dinheiro para os resolver.
Nessas reuniões decidem sobre o futuro de todas as pessoas, nuns casos com alguma legitimidade, a maior parte das vezes sem qualquer legitimidade.
Em muitos casos não possuem mais que hipóteses sobre o efeito que as medidas tomadas vão ter sobre a vida das pessoas, mas uma decisão tomada pelos senhores do mundo passa a desígnio superior para cumprir como verdade absoluta. Pelo menos até à próxima reunião. Aí pode ser que o desígnio seja de sentido contrário, mas, se assim for, será de novo inquestionável… até à próxima reunião.
E os desígnios são para cumprir.
Se para isso for preciso matar milhares de pessoas à fome, que morram. Se na próxima reunião se provar que as decisões estavam erradas, que fazer? Os mortos vão reclamar?
O que é isso de pessoas a morrerem à fome, desempregadas, na miséria, excluídas, comparado com a absoluta necessidade de se cumprirem os objectivos definidos? Que interessam os custos desde que se atinjam os critérios, se trave a inflação, se corrija o défice?
Nada!
Em nome do homem e para o salvar vale tudo – mesmo matar o homem!
Temos assim a encruzilhada transformada numa espécie de peneira gigante, onde os buracos variam ao sabor ditames dos senhores do mundo, cuja localização são os únicos a conhecer (ainda que de tanto os quererem esconder, às vezes acabem por se esquecer). Os senhores do mundo saltam incólumes por entre os buracos, enquanto a plebe numerosa ao mínimo descuido é engolida tal como está, isto é, vestida e calçada. E são buracos tão fundos e escuros que quem lá cai só excepcionalmente consegue voltar a ver a luz do dia, sendo que uma enorme maioria lá nasce, vive e morre sem nunca ver a luz!
E quando os buracos ficarem de tal modo cheios que os moribundos comecem a inundar a superfície?
Acredito que então esta enorme mole humana se transformará numa gigantesca e incontrolável bomba!