quarta-feira, dezembro 21, 2011

Afinal há Caminho

…um passo em frente, dois passos atrás…


Já não é a primeira vez que um governante chega a uma conclusão semelhante, só que nunca houve o atrevimento de o dizer!
Agora não só foi dito como isso foi feito sem meias palavras, de forma acertiva.
Primeiro pensei tratar-se de um lapso de linguagem, género desculpa esfarrapada para a incompetência.
Depois pensei que era simples subserviência, género mais papista que o papa, vamos lá apoiar e justificar o chefe.
Há terceira percebi que não e que era mais profundo, género vamos lá profissionalizar a coisa, criar mesmo um organismo (ou dois) de apoio.
Não se tratou de um lapso, é a política estúpido.
Porque afinal a solução é simples – se não estão bem, mudem-se.
É tão fácil fazer politica!
Pena é que a mais das vezes o povo seja burro e não a entenda.
Mas mesmo para esses casos eis a solução – muda-se o povo!
EMIGREM!

terça-feira, dezembro 20, 2011

EKtom (6) - Sobre a Dúvida


O grupo que seguiu o sonhador era o mais falador, aquele a quem os recentes acontecimentos mais tinham afectado. Cada um sentia que o pregador tinha estado a falar para si; cada um sentia que o pregador tinha estado a soltar amarras que nem sequer sabiam que existiam e tudo o que tinha estado recalcado ao longo de tanto tempo, quebradas as amarras, saia agora em catadupa.
O sonhador, esse limitava-se a ouvir. O facto de há muito tempo acreditar na possibilidade de uma vida diferente atenuou o choque mas não foi suficiente para clarificar as coisas. A vida em Ektom sempre assentou na evidência de um mundo sem carências e em certezas indubitáveis e a chegada do pregador punha tudo isto em causa. E foi desde logo evidente que a partir daquele momento nada poderia ficar como dantes. Ao contrário de alguns o sonhador não considerava muito importante saber quem era o pregador e de onde vinha. As questões passaram a ser muito mais vastas : “Quem somos? Para onde vamos?”.
Ao pensar no que a perfeição de Ektom transformou os seus habitantes, o sonhador sente uma estranha sensação de falsidade. A máxima ektomiana “quem tudo tem, nada deseja”, soa-lhe a falso. No fundo não passa de um manto entorpecedor que os tornou iguais ao que eram no passado e contra o que tanto lutaram. De forma diferente, sem mazelas, quezílias sociais ou necessidades materiais, mas assim mesmo limitados na sua condição essencial de seres livres e criativos. No fundo toda a sua vida estava programada desde o nascer ao morrer e o que acontecia entre ambos não era a vida, mas o cumprimento de um programa.
Quando se deu conta estava em frente a sua casa e à sua volta havia um silêncio estranho, enquanto todos os rostos se voltavam para si numa interrogação muda. Uma interrogação de quem está pronto, mas não sabe para quê. Nesse instante percebe que a sua simples intervenção no encontro com o pregador fez dele um chefe. Sem saber eainda menos sem querer descobriu-se chefe eleito de um grupo de ektomianos, coisa tanto mais espantosa quando, em muitas gerações anteriores, nunca em Ektom tinha existido um chefe, alguém que por si decidisse ou ordenasse o que quer que fosse.
“Porque estão todos a olhar para mim com essa cara?”
“Nada. Estamos à espera.”
“À espera. Alguma coisa vai acontecer. Não acreditamos que não vá acontecer nada.”
“E porque há-de acontecer? É melhor não estarmos a inventar um caso onde não existe nada.”
Mentira em que nem ele acredita, apesar de alguns receios.
Medo?
Temor em relação ao que possa acontecer depois de tantos anos de calma e letargia ociosa?
Um pouco de tudo e a certeza de que algo tem de acontecer.
“É verdade que algo se modificou e bem provável que alguma coisa possa acontecer, mas neste momento pouco ou nada há a fazer. Aguardemos pela reunião de logo à noite. Entretanto meditemos. Que cada um olhe bem para dentro de si e procure traduzir com a maior clareza possível os seus sentimentos.”
“E pensas que isso é fácil? Há quase duzentos anos que estou convencido que o mundo é esta aldeia e num só segundo toda a crença foi destruída. Pensas que é fácil meditar com calma sobre os sentimentos que nos avassalam?”
“Eu sei que não é fácil, mas, neste momento, que outra coisa pudemos fazer?”
Por instantes o silêncio volta ao grupo. Não porque não tenham que dizer, mas porque a catadupa de sentimentos recentes é tal que não conseguem encontrar as palavras adequadas.
Um aldeão que se encontra mesmo em frente do sonhador quebra o silêncio.
“Parece-me não restarem dúvidas que algo está para acontecer e que é preciso fazer alguma coisa. Mas o quê? É isso que é preciso descobrir.”
Antes de tentar responder o sonhador fica por momentos pensativo e é notória a sua apreensão.
“Infelizmente penso que tens razão. Mas é importante ter bem presente o que pode representar um acto menos pensado. Ficou claro que alguns pensam o contrário de nós em relação ao pregador e às suas palavras. Temos que ser muito cuidadosos de modo a evitar cisões inoportunas. Todas as atitudes que tomarmos têm de ser muito ponderadas antes de serem postas em prática.”
“Mas não podemos deixar de fazer o que acharmos mais correcto. Esta vida sem sentido que temos levado não pode continuar. Não desejamos que a discórdia se volte a instalar em Ektom ao fim de tanto tempo, mas também não podemos deixar fugir a oportunidade de nos manifestarmos. Isto não significa que depois de esclarecidos os nossos pontos de vista não possamos chegar a uma solução de compromisso. O que não podemos é agrilhoar por mais tempo o que sentimos dentro de nós.”
Murmúrios de aprovação acompanharam as últimas palavras. Formavam um grupo à deriva, eram como um bando de prisioneiros que passaram toda a vida na prisão e agora, de repente, descobriram que a prisão não tinha muros nem grades; por isso há nesta nova sensação de liberdade tantos sentimentos desencontrados, tanta vontade de gritar e assumir as consequências, ainda se acompanhada pelo medo saboroso das primeiras sensações. O sonhador sente isso como ninguém e, por isso mesmo, é o mais cauteloso de todos. Sabe que nada pode ser como dantes, mas teme que as alterações possam ser demasiado profundas e possam originar um afastamento de consequências irreparáveis. Porque, mesmo na perfeição, existem uns mais perfeitos que outros.
A perfeição!
Poderá a perfeição ser mais que um estado de espírito que não se reconhece senão a si mesmo? Tentar entender a perfeição fora de si será sempre como tentar estabelecer limites para o infinito. No entanto o homem tem sempre que optar por impor um limite, seja ele qual for, porque a cada momento , é obrigado a esbater-se entre a necessidade da perfeição e a sua impossibilidade, sob pena de perecer.
A perfeição só será possível pela transformação do homem em qualquer outra coisa!
O vazio da perfeição em Ektom como que brota à luz dos novos acontecimentos. O sonhador sabe isso melhor que ninguém, mas também sabe que todo o cuidado é pouco para evitar confrontos no fim dos quais de nada adianta saber de que lado estava a razão. “Acima de tudo temos de fazer todos os esforços para manter a união entre todos, pensem ou não como nós. Neste momento podem estar em causa coisas muito mais importantes. Se for necessário cada um terá que abdicar um pouco.”
“Mas também é necessário estar atento ao que farão os que nada querem mudar. O nosso querer não é suficiente.”
“Isso só pode ser motivo para estarmos mais atentos que nunca. Depois é preciso meditar bem na pessoa do pregador. Não sabemos nada dele, nem de onde vem, ainda que isso não me pareça o mais importante comparado com o que significa a sua presença. Há ainda muita coisa por esclarecer e o facto de as suas ideias terem vindo de encontro às de muitos de nós, isso só por si não basta. Por isso temos que ter muito cuidado. Apesar da ajuda preciosa é pela nossa cabeça que temos de pensar. Agora o melhor é irmos jantar e preparar-nos para a reunião de logo à noite. Até logo!”
Dito isto o grupo desfez-se e cada uma daquelas almas inquietas sentiu pela primeira vez a angústia da liberdade de pensar. Pela primeira vez os seus pensamentos não eram os de todos os dias. Alguns sentiam mesmo que pensavam pela primeira vez num processo que há bem pouco tempo seria absurdo e sem fundamento.
Quaisquer inquietações anteriores eram aberrações numa sociedade que a si mesma se considerava perfeita. É verdade que não havia repressão que essa era exercida por cada um sobre si mesmo. A ansiedade e o desejo se surgiam eram naturalmente anulados como algo que não podia existir e portanto não existia.
É mais um entardecer em Ektom e o sonhador sente-se invadir por uma estranha sensação de liberdade. Só que hoje nada faz para se conter. Pela primeira vez o seu espirito alimenta o fogo que o consome. É um fogo reconfortante, como se estivesse a queimar as suas feridas e o sonhador tem a certeza que aquele não é um entardecer como tantos outros. Sente agora como era difícil alguém entendê-lo; há coisas que não são para entender, ou se sentem ou não. E este é o grande perigo. Não é o de as pessoas não se quererem entender, mas tão só o de não puderem.
Este não é só mais um entardecer em Ektom; pela primeira vez um dia não foi igual ao anterior.