domingo, dezembro 18, 2016

Sobre a Dignidade

Passei a tarde num lar de idosos.
Todos deviam fazer o mesmo digamos pelo menos uma vez por mês num exercício de limpeza mental,
Estar ali a observar aquela gente, ver a vitória de conseguir chegar com a colher à boca ou a derrota de não conseguir chegar a tempo à casa de banho, é assistir às derradeiras batalhas de vida, quantas delas mesmo de vida ou de morte.
E porque travam todos os dias a verdadeira batalha da vida isso torna-os todos solidários, iguais entre iguais. É assim que os vejo a tentar conversar fingindo que e besta não anda ali por perto.
A uma minoria porque a maioria ou já não pode ou não é capaz de manter uma conversa porque passou tanto tempo escravo de trabalho em nome da sacrossanta economia que perdeu essa capacidade.
Neste tempo de passagem para onde quer que seja, mais importante de tudo é manter a dignidade.
É urgente acabar com os muitos depósitos de idosos que ainda existem ( pagos a preços de hóteis de luxo) e criar condições para que TODOS vivam o resto da vida com toda a dignidade.
Para que tal aconteça é necessário congregar esforços de todos, estado, associações, sociedade civil. E esta é uma tarefa urgente porque esta é a primeira geração a quem sobra tanto tempo após o fim do tempo de trabalho activo.

domingo, dezembro 11, 2016

(RE)PENSAR O NATAL

Reconhecida por todos como uma época de paz, amor e boa vontade o natal é um conceito que comporta à partida uma contradição : a sua localização num espaço e num tempo definidos. Porque é uma afirmativa que implica a negativa, é uma definição que destrói, por si só, o conteúdo de paz, amor e boa vontade.
A aceitação passiva deste natal determina o bem e o mal em termos sociais. Funciona como uma espécie de maniqueísmo que estabelece com carácter de permanência que há tempos bons e tempos maus. Que eles existem é um facto. Mas daí a aceitá-los com carácter institucional vai um salto enorme. O salto entre a razão e o absurdo.
Todos os anos a festa se renova numa hipocrisia feérica, numa permissividade de quem passa todo o ano ao lado da vida. A impossibilidade de, no dia a dia, se viver uma vida autêntica e de as pessoas serem iguais a elas próprias, faz com que, no Natal, por extrapolação, se viva a fatualidade de uma vida que não existe.
A caridadezinha mais não é que o reconhecimento implicito de que a vida não foi possível e, por isso, num momento especial, perfeitamente definido no espaço e no tempo, vamos permitir um simulacro de vida. Mais. Vamos estimulá-lo. Mas só neste tempo, porque nos outros...
A guerra é em si mesma um absurdo. Mas se assim é, que chamar à hipocrisia de parar uma guerra na quadra de Natal, oferecer cigarros aos soldados, víveres e medicamentos às populações e, passada uma semana, recomeçar tudo de novo? Por quem e para quem?Será muito lindo fazer belos espectáculos de Natal para os soldados. Mas será que os soldados querem esses espectáculos no intervalo da guerra? Haverá alguém interessado em trocar a vida por uma qualquer fantasia passageira, por muito boa que seja?
A paz entre os homens não pode ser um conceito abstracto ou um intervalo entre duas guerras. Tem de estar ligada à vida como um fluxo contínuo. Não pode ser a paz dos cemitérios, mas sim a vida em paz. Nunca um interregno utópico numa guerra permanente.
Não comer carne durante um ano é infelizmente um sinónimo de Natal. É um espelho de um mundo absurdo que alimenta os seus próprios mitos destruindo-se a si mesmo.
O que aqui se questiona não é o Natal em si mesmo e, muito menos, os conceitos de fraternidade, amor e paz que encerra. O que se contesta é ESTE NATAL, com tudo o que tem de falso, hipocrisia e oportunismo. Não é a fraternidade que se critica, mas sim o oportunismo temporal de que se reveste. Não é o amor que se questiona, mas sim a hipocrisia de ele só ser possível neata altura. Não é a paz que está em causa (falsa paz), mas sim a guerra porque este Natal é filho da guerra.
A questão nãoé o Natal, mas sim ESTE NATAL!
Enquanto a vida fôr um excremento da morte, a Vida não é possível.
Enquanto o Natal não fôr quando se quiser, o Natal não existe!