sexta-feira, agosto 19, 2011

Os Bombeiros Incendiários

…talvez incendiários bombeiros, numa mão o fogo, noutra o extintor...

Todos os dias têm de dizer alguma coisa que saia nas primeiras páginas.
E o que sai nas primeiras páginas são as coisas que mais vendem, ou seja as desgraças, que todos de uma forma ou de outra alimentamos sob a forma de um voyeurismo mórbido.
Numa sociedade mediatizada e globalizada como a actual, cada vez que um profeta da desgraça se pronuncia a desgraça acontece…e eles continuam a pronunciar-se todos os dias e o pior é que a mais das vezes o fazem com bases tão sólidas como aquelas que eram usadas em Delfos para prenunciar o futuro.
Porque não nos iludamos, neste período que atravessamos os que tanto sabem, sabem quase tanto como os que nada sabem.
È verdade que manifestam a sua ignorância de uma forma muito mais sábia que os outros, mas no final o resultado é o mesmo: um exercício de adivinhação, onde umas vezes acertam e outras não.
Tal e qual como em Delfos!
E não se pode mandá-los calar?

quarta-feira, agosto 10, 2011

Ektom (4 - Viagem ao Imaginário)

Vindos de todos os pontos do vale, depois de mais um dia de trabalho, os agricultores regressam ao aldeamento.
Na pacatez da tarde, onde começam a adivinhar-se já as primeiras sombras a quietude parece querer prolongar-se para sempre.
Há uma calma latente em todos os rostos, mas bem no fundo também há desencanto, sem explicação, mas desencanto.
O sonhador é um cultivador que explora um pedaço de terra na zona mais fértil do vale e desse contacto diário com a natureza sobram por vezes impensáveis meditações interiores, levadas, por vezes, até aos limites dos insondáveis mistérios da existência, o que em Ektom não é só um absurdo, mas quase um sacrilégio.
De regresso à aldeia encontra um amigo que é um verdadeiro céptico em relação a tudo o que não seja óbvio e o evidente; são amigos de longa data, no entanto, nunca a sua intimidade foi além do que é normal nas relações entre todos os elementos da comunidade - o ocasional e superficial, dito e redito ao longo dos tempos.
Quando alguém sai do óbvio é olhado de lado, por isso é com algum receio que o sonhador pronuncia as primeiras palavras.
“Já reparaste neste entardecer? Ao contemplá-lo não sentes algo de especial?"
"Não percebo. É um entardecer como tantos outros. O que queres que sinta?"
"Não sei bem. Não consigo explicar, mas sinto algo diferente, assim como que uma nova sensação feita de velhas coisas... mas talvez tenhas razão, talvez não passe de um entardecer igual a tantos outros."
A crença na perfeição e a falta de necessidades anulam a procura de respostas. Se não existem dúvidas…
"Não sei. Mas hoje não consigo deixar de sentir algo diferente, como se a minha relação com as coisas se tivesse alterado as mesmas coisas passassem a ser outras coisas. Percebes?"
"Não. Não estou a entender mesmo nada. Falas como se te faltasse alguma coisa. Mas, o quê? O que é que te pode faltar?"
"Não me falta nada, mas..."
"Mas o quê?
"Por vezes é como se realmente me faltasse alguma coisa. Sou assaltado por uma sensação de vazio que não consigo controlar, olho em redor e não encontro qualquer justificação, mas o vazio mantém-se e isso inquieta-me ainda mais. Sem justificação, como algo que surge incontrolável e depois se esgota no ar."
"Ora é tudo impressão tua. Nada te falta por isso não precisas de nada."
O que é uma verdade indiscutível em Ektom. Aqui nada falta; os dias são sempre iguais e a realização pessoal não é uma meta, existe; as coisas são porque são e nada ocorre por desejo ou necessidade. Ainda que...
"Já alguma vez pensaste como somos limitados?"
"Porque é que dizes isso? A mim parece-me o contrário. A satisfação total de todas as necessidades é a plenitude e não uma limitação."
"A ausência de necessidades pode não fazer tanto sentido como parece. Qual o fim da nossa existência? Caminhamos para algum lado? Para onde?"
"Mas queres caminhar para onde? Só se caminha para algum lado quando se pretende alguma coisa; se tens tudo o que desejas é óbvio que não caminhas para lado algum. Tudo isso não passa de imaginação tua. Vamos mas é jantar que se está a fazer tarde."
"Talvez tenhas razão. Vamos então jantar!"
Qualquer dúvida é logo ultrapassada pela evidência. Para quê preocupações se a satisfação é total? Para quê complicar o que é aparentemente tão simples?
"Hoje demorei um pouco mais. Desculpem. Entretive-me a falar de coisas que nem eu entendo bem."
"Ah! Sim!? Vamos jantar."
Esta indiferença não é indiferença, é realidade.
Em Ektom as novas ideias, os factos inexplorados são coisas sem sentido.
O entendimento comum é fácil e agradável, mas só possível nos lugares comuns que vêm do longe dos tempos. Tudo o mais são simples coisas que se dizem.
Depois do jantar reúnem-se nas instalações do Centro onde praticam alguns jogos, conversam sobre a última colheita, as primeiras chuvas, a morte de um boi e pouco mais.
Só se dizem coisas já ditas. Ou então fala-se da natureza, o escape natural entre as verdades inabaláveis e as coisas que ninguém entende.
"Que me dizes às chuvadas desta semana?"
"Vieram mesmo a calhar; os terrenos já estavam a ficar ressequidos."
"Não é isso. Quem é que contava com umas chuvadas destas nesta altura do ano?"
"Ora, calhou assim. Não é a primeira vez que isto acontece."
"Pois sim, mas não deixam de ser estranhas assim tão repentinas."
"O céu é demasiado grande. Calhou!"
"Será?"
O céptico e o sonhador também se encontram no Centro.
"Então, vai uma partida de xadrez?"
"Não. Hoje não me apetece!"
"Mas que tens tu, homem?"
"Não sei. Sinto-me esquisito. Só isso."
"Bolas, pensava que aquelas ideias malucas já te tinham passado."
"Não. E não creio que sejam ideias malucas. Sinto hoje uma daquelas necessidades incompreensíveis de que te falei. Há dentro de mim um vazio que não consigo entender."
"Ainda que quisesse ajudar-te não o saberia fazer. Não sei do que estás a falar!"
Nem o sonhador se entende a si mesmo. Sente uma enorme insatisfação que não passa de um desejo de nada, como uma impossibilidade de apreender algo que não existe. Como se ele mesmo não existisse e se transformasse em algo que o transcende e condiciona.
"A verdade é que sinto sem saber o que sinto."
"Como sabes então?"
"Sinto. Sinto-o dentro de mim com uma evidência que está para além da lógica."
"Mas isso não é verdadeiro. Não corresponde a qualquer realidade. Reais, reais são os teus sapatos que tenho lá em casa já arranjados. Quando quiseres podes ir buscá-los."
"Já me tinha esquecido. Tens tido muito que fazer?"
"Nem calculas! Então agora com estas chuvadas não tenho tido mãos a medir."
"É verdade! Que me dizes a isto? Umas chuvadas assim tão repentinas! Até parece que foram controladas por alguém!"
"Oh! Não! Por favor! Tu sabes que sempre fomos amigos, mas agora ao fim de tantos anos ou és tu que não te explicas ou eu deixei de entender-te. Tantas interrogações, tantas subtilezas constantes, acredita que não te entendo. Porquê?"
"Não são subtilezas. É o que sinto ainda que o não consiga explicar. É algo que cresce dentro de mim de um modo incontrolável."
"Se tu não entendes, eu ainda menos e se vamos estar para aqui a falar de coisas que não entendemos, então o melhor é estarmos calados."
"É possível que tenhas razão, mas o silêncio também não vai resolver nada."
"Mas resolver o quê? Não temos nada para resolver!"
"Talvez tenhas razão!"
"Claro que tenho. Vamos mas é à partida de xadrez e deixemo-nos de histórias."
"Vamos lá, então!"
Estas conversas são excepções em Ektom.
De tempos a tempos, principalmente entre os cultivadores, alguém levanta uma ou outra interrogação, entendidas sempre pelo resto da comunidade como simples devaneios.
Naquela noite, ao voltar a casa, o sonhador não tinha ainda conseguido libertar-se da sensação estranha que o invadiu todo o dia. Em vez de se deitar como fazia todos os dias, deixou-se ficar à janela a contemplar o negro da noite que rodeava toda a aldeia. Até onde ia o céu? Que mistérios escondiam aqueles pontos brilhantes? Não poderiam existir vidas diferentes?"
"Mas que estupidez a minha! É claro que não! Como pode existir outra vida? E porquê? Para quê?"
Neste momento sente um fosso enorme entre os seus sentimentos e os seus conhecimentos. Tanto maior quanto a verdade é que desconhece o que sejam sentimentos a não ser que os sente.
Até onde chega a memória dos actuais habitantes de Ektom, toda a vida nada mais foi do que factos. As coisas só são quando acontecem e quando acontecem, acontecem simplesmente, sem segundos sentidos; o valor subjectivo das coisas não existe.
De pé, em frente da janela, o sonhador perde-se na memória de um tempo que na verdade nunca existiu; sem conseguir conter a agitação interior, questiona-se sobre um sentir que é incapaz de entender.
"É isso! Sinto! Estou a sentir, não sei o quê, mas estou a sentir...que estranho... nunca tinha sentido esta agitação, este anseio, esta força que parece querer devorar-me por dentro e que me faz sentir tão vivo!"
Pela primeira vez consciente de algo, que, neste momento, não é mais que uma descoberta espantosaem o sonhador sente-se possuidor de uma riqueza única que necessita preservar a todo o custo.
Satisfeito com a descoberta da sua própria ansiedade, continua a tentar penetrar o vazio da noite. Sem ser a primeira vez, nunca a atracção foi tão forte. A mais das vezes não passaram de ténues interrogações esbatidas de imediato na evidência da realidade.
O actual estado de desenvolvimento é a consequência de uma evolução que os levou a percorrer todos os caminhos, o que acentua mais a convicção que aquela é a única felicidade possível e os leva a esgotarem-se nela.
Ao tentar romper a evidência pensa que não pode ser de outro modo, sem conseguir deixar de pensar que tem de ser de outro modo e, pela primeira vez, é assolado por um conflito interior. Um conflito de uma dualidade impossível e de uma consciência terrível, como se só ao fim de duzentos anos descobrisse que estava vivo. É uma descoberta que o assusta, mas que o enche de uma plenitude nunca sentida e de repente apetece-lhe gritar : estou vivo, estou vivo, estou vivo!
Enquanto avança dentro de si, a evidência vai desaparecendo e todas as possibilidades se tornam viáveis.
Afinal porque não outra vida? Outra forma diferente, outros seres, outras paragens? Perdido em mil conjecturas interroga o negro da noite e apercebe-se de quanto são antigas as suas inquietações. A realidade, porém, sempre sufocou tudo. Até hoje. Neste momento é a própria realidade que se transforma como consequência da sua transformação interior.
"E agora? Que faço com os meus sentimentos numa comunidade em que eles não existem? Se digo a alguém chamam-me louco, se não digo rebento. E que posso argumentar? Que provas?"
Em Ektom o homem acabou conduzido para um mundo estranho, em que a perfeição o conduziu à estagnação e a uma vida absurda e sem sentido. Quem tudo tem, nada deseja, mas onde conduz esta aparente perfeição a não ser à descoberta que a perfeição não existe? Ou tudo não serão mais que partes de um mesmo todo, um conjunto continuado de ciclos imperfeitos até uma perfeição utópica que necessita da imperfeição e assim sucessivamente até ao infinito, seja lá isso o que for?
Com a cabeça cheia de ideias o sonhador decide por fim deitar-se.
Passaram vinte e quatro horas de um tempo vazio de todas as coisas que constituem o passar de um dia perfeito em Ektom!
As horas eternas da perfeição, por vezes demoram demasiado tempo a passar.



sexta-feira, agosto 05, 2011

A Fórmula

…sobre a chamada tipo teste do algodão(aquele que não engana) ou simplesmente como só temos aquilo que merecemos

Não estou preocupado com definições ou questões conceptuais sobre o que é ou não uma chamada consumada ou falsa.
Não estou preocupado com o lado sócio/moral da coisa, isto é se o sr (a) deputado(a) pode fazer uma chamadas para o 112 para fazer um teste, porque é que eu, cidadão anónimo não o posso fazer para matar o tempo deste desemprego que me deixa tanto tempo livre.
Não estou sequer preocupado com o aspecto legal da questão.
O que me interessa mesmo é o lado cientifico.
A questão simples era a de que, confrontado com queixas relativas ao demasiado tempo que as chamadas para o 112 demoravam a ser atendidas ,um sr (a) deputado (a) resolveu fazer uma chamada de teste para aferir dessa verdade.
Constactou que aquela chamadas demorou 14 segundos, mas, como é evidente, depois não disse mais nada quanto às conclusões, porque o segredo é a alma do negócio.
Mas se existe alguém que a partir de uma simples chamada consegue determinar o tempo médio de atendimento das chamadas feitas para um determinado serviço eu quero saber a fórmula!
Num tempo em que os centros de atendimento telefónico proliferam como cogumelos esta descoberta é fundamental e a sua cotação no mercado de um valor incalculável (pelo que se percebe bem que a fórmula não tenha sido divulgada!)
Claramente uma boa noticia para o(a) autor(a) que com a sua venda terá a sua vida económica desencalhada.
Menos bom para todos os operacionais que todos os dias recolhem informação, cruzam dados, introduzem variáveis, desenham curvas de carga para conseguirem chegar a resultados que, mesmo assim, garantidamente serão mais falíveis que os desta fórmula mágica, porque o destino desses será o desemprego, o que, como bem sabemos não é bom nem para os próprios nem para a conjuntura.
Tanta trabalho e afinal o segredo é uma simples fórmula mágica!
EU QUERO A FÓRMULA!