sexta-feira, abril 22, 2005

Depressa para Lado Nenhum (2)

Desde que passou a si mesmo O Atestado da Superioridade o homem autorgou-se um rol infindável de direitos de prática cada vez mais inquestionável (neste momento de forma compulsiva e inquestionável).
Enquanto ser eleito todos os sacrifícios passaram a ser justificáveis e teve início uma predação cega em relação a todos os usufrutuários da terra primeiro, depois à terra ela mesma, por fim ao próprio homem.
Que eram afinal uns meros sacrifícios comparados com os superiores desígnios do eleito?
Sim, porque se não fosse o eleito como podia ter triunfado sobre a besta?
E um dos dramas maiores foi o do sentido das coisas, aquela necessidade incontrolável de dar sentido a todas as coisas, de explicar tudo, mesmo o que não tinha explicação.
Tão forte que teve de inventar para si a maior de todas as justificações - a da imortalidade.
Não bastava justificar-se a si mesmo, era necessário justificar-se para além de si.
O homem tentou sempre demasiadas certezas, de preferência inabaláveis.
Quanto mais frágeis as bases, maiores a certezas, o que afastou o homem de todas as realidades que não dominava e o afastou ainda mais de si mesmo. Só por isso é que as “verdades" mais inabaláveis são as de prova mais dificil, quando não impossível.
Incapaz de admitir o erro, o caminho só pode ser em frente.
Mesmo que o caminho não conduza a lado algum ou que nem sequer exista.
Caminhar sempre em frente, (ainda que com a maior das convicções) não significa chegar a algum lado.
Ante esta perspectiva aterradora, que fazer?
Continuar a caminhar; caminhar sempre, não parar sob pena de perecer, tão só caminhar,caminhar...
É a lógica do sempre mais!
Mas sempre mais de sempre mais de sempre mais é o quê?
Uma espiral a caminho do paraíso?
Um caminho para o infinito?
Ou tão só uma fuga desesperada rumo ao vazio?
No instante em que se tornou incapaz de parar o homem iniciou um processo de dependência de que já não consegue escapar : deixou de viver e passou a consumidor compulsivo de tempo matando-o a maior parte das vezes, sem se aperceber que é sempre ele que acaba por nos tragar.

terça-feira, abril 19, 2005

Um mundo parado...outra vez?!

De acordo com a imprensa desportiva o seu presidente terá afirmado que quando o Benfica fôr campeão o mundo vai parar.
Deve ser verdade porque ainda a semana passada o principe Alfez Assad me perguntou:
"Ó português (é assim que ele me trata) quando é que o Benfica é campeão para eu poder parar um bocado?"
Para acrescentar de imediato:
"Já agora convinha que fosse antes de eu morrer de cansaço.E olha que eu já tenho 27 anos!"

"O Estado de Graça"

Nunca um "estado de graça" foi tão literal como o que está a ser concedido a este laico partido socialista.
Suspeito mesmo que haverá no PS quem "reze" para que o fumo branco demore pelo menos 4 anos a sair da chaminé da Capela Sistina.
Não sei bem porquê, mas ao pensar nestes primeiros tempos deste governo, não consigo deixar de pensar em dois diatados populares.
"Só erra quem trabalha".
"Quem muito fala pouco acerta".
Quanto ao primeiro esperemos para ver, porque alguma coisa vai ter de ser feita.
Quanto ao segundo foi o próprio governo que disse que só falava quando tivesse alguma coisa para dizer.
Nada mais acertado.
Mas é preciso que em algum momento alguma coisa seja dita, senão ficaremos sempre sem saber se não falam porque não há nada para dizer, ou se nunca falam porque não têm nada para dizer, o que, como bem sabemos, pode transformar uma virtude numa tragédia.

terça-feira, abril 12, 2005

Desastre Anunciado...Os Sinais

Rajendra Pachauri, presidente do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climatéricas e principal autoridade mundial na matéria, avisou os politicos de que a humanidade tem apenas uma pequena janela de oportunidade e ela está a fechar-se rapidamente.
Pelos seus cálculos, os líderes mundiais têm menos de dez anos para tomarem medidas drásticas com o objectivo de prevenir um desastre a nível mundial.
O homem continua convencido de duas verdades que já só existem na sua cabeça : que os recursos da terra são ilimitados e que ele mesmo também o é nas suas capacidades e que em qualquer momento pode reverter qualquer situação a seu favor.
Nunca como nos últimos anos se ouviram tantas expressões extremadas em relação ao clima (o dia mais frio desde sempre... a maior seca de que há memória... a tempestade mais devastadora conhecida...etc...etc...) num claro sinal que a evolução é exponencial.
A questão está em saber daqui a quanto tempo se torna irreversível. Um ano? Cinco anos? Dez anos? Vamos esperar até lá ou como avisa Rajendra Pachauri vamos de imediato tomar medidas que nos impeçam de atingir o ponto de não retorno?
Queremos? Mesmo que queiramos podemos?
As democracias (sendo ainda o melhor sistema politico conhecido) contêm em si mesmas uma perversidade dificil de ultrapassar - vivem de dar (prometer, pelo menos) sempre mais coisas.
Como sobreviver num tempo em que as promessas terão de ser tirar em vez de dar?

sábado, abril 09, 2005

Tempos de Fé

Hoje todo o mundo católico (e não só) está suspenso das cerimónias fúnebres do Papa João Paulo II.
Sobre isto já tudo foi dito.
Por isso, neste tempo de justificada exaltação religiosa, falemos nos outros, que também os há.
Não na certeza (fé) dos que têm a certeza que não têm fé, mas na angústia dos que querendo acreditar são incapazes de o fazer.
Lembremos Camus em “A Peste”:
“A salvação do homem é uma palavra demasiado grande para mim. Não vou tão longe. É a sua saúde que me interessa. A sua saúde antes de mais. E mais precisamente: não sei o que me espera nem o que virá depois disto. De momento, há doentes, é preciso curá-los... Uma vez que a ordem do mundo é regulada pela morte, talvez seja melhor para Deus que não se acredite n’Ele e que se lute com todas as forças contra a morte sem levantar os olhos para o Céu, onde Ele se cala”
Albert Camus morreu num desastre de automóvel no dia 4 de Janeiro de 1960 a caminho de Paris.
Quando o encontraram repousava meio enfiado na mala traseira do carro com ar calmo e como que admirado, os olhos ligeiramente saídos das órbitas e um pouco de sangue escorrendo da nuca.
Nos bolsos encontraram um bilhete de comboio para Paris para esse mesmo dia.
Se pudesse Camus teria dito que ele e só ele fora o culpado da sua morte!

quinta-feira, abril 07, 2005

Depressa para Lado Nenhum (1)

Ao principio o homem não era nada. Lutava com a natureza à procura de espaço, ganhando umas vezes, perdendo outras, sem rumo certo, ao sabor do movimento tentacular que o rodeava. Ia para leste porque aí havia caça, dormia dentro da saliência rochosa porque fazia menos frio, comia o que encontrava. Aprendeu tudo sem mestre à conta da experiência e de uma luta persistente contra tudo e contra todos. Contra os inimigos, mas também contra os amigos que não sabia que o eram. Sem entender muito bem as coisas o instinto de sobrevivência era o mentor de toda a actividade gerida de forma primária: aceitava umas coisas, outras por temor reverenciava-as, enquanto destruia outras que não entendia (só muito mais tarde a sua qualidade de ser superior lhe permitiu passar a destruir mesmo as que entendia, servindo para o efeito qualquer pretexto).
Nos primeiros tempos era um ser frágil à mercê do ambiente que o rodeava, mas percebeu bem cedo e à própria custa que só pela força não iria longe. Pigmeu entre gigantes teve necessidade de desenvolver as artimanhas que lhe permitissem equilibrar as forças num tempo em que tudo se resumia a uma só coisa – sobreviver.
Permanentemente de rastos com o chão por horizonte e a própria sombra como meta que hipóteses de competir?
A constactação desta realidade levou-o à primeira de muitas e longas aprendizagens: tinha que se libertar do chão, aumentar a visibilidade e ver para além de si. Esta coisa aparentemente tão simples foi talvez o esforço mais titânico de todos os que teve de fazer na sua aprendizagem lenta de milhões de anos, primeiro até conseguir equilibrar-se sobre dois membros, depois equilibrar-se dentro de si, apesar de em relação ao último ainda hoje subsistirem sérias dúvidas sobre se foi conseguido.
O homem em pé foi uma das primeiras maravilhas de si mesmo. Seguiram-se muitas outras, mas infelizmente para o homem e não só a maior parte nunca conseguiu sair de dentro da sua cabeça.
Antes de começar a correr, o que aconteceu há relativamente pouco tempo, o homem avançou passo a passo e manteve um equilibrio com um enorme respeito por tudo o que o rodeava. Se destruia algumas coisas que não entendia isso era ocasional porque quase sempre abatia árvores para construir abrigos ou matava animais para se alimentar.
O respeito era um valor inquestionável num mundo em construção.
O equilibrio e o respeito existiam interioizados como códigos de honra e eram cumpridos como se se tratasse das leis mais rigidas, mesmo sem as leis que obrigassem a fazê-lo.
Avançava num processo orientado para o bem estar, mas ainda e só para construir defesas cada vez mais eficazes em relação ao ambiente hostil que o rodeava.
Por circunstâncias diversas (ainda hoje não totalmente esclarecidas) o homem descobriu-se um dia à frente de tudo e de todos. A constactação desse facto deu inicio a um novo processo ainda não terminado que lhe transmitiu a certeza interior de que podia fazer tudo o que quisesse.